Placas fotovoltaicas absorvem energia solar em quais faixas de radiação?

A radiação solar que atinge a superfície terrestre é composta por uma distribuição contínua de comprimentos de onda que varia, aproximadamente, de 280 nm (ultravioleta) até 2500 nm (infravermelho próximo). Essa distribuição segue, de modo aproximado, o modelo de corpo negro a 5778 K (temperatura efetiva do Sol), modulada pela absorção atmosférica (gases, vapor d’água, partículas). No padrão de irradiância AM1.5G (Air Mass 1.5 Global), adotado internacionalmente para caracterização de módulos fotovoltaicos, a potência total incidente é de cerca de 1000 W/m², distribuída em:

Conceitos Fundamentais

1.1 Radiação Solar e Espectro Eletromagnético

A radiação solar que atinge a superfície terrestre é composta por uma distribuição contínua de comprimentos de onda que varia, aproximadamente, de 280 nm (ultravioleta) até 2500 nm (infravermelho próximo). Essa distribuição segue, de modo aproximado, o modelo de corpo negro a 5778 K (temperatura efetiva do Sol), modulada pela absorção atmosférica (gases, vapor d’água, partículas). No padrão de irradiância AM1.5G (Air Mass 1.5 Global), adotado internacionalmente para caracterização de módulos fotovoltaicos, a potência total incidente é de cerca de 1000 W/m², distribuída em:

  • Ultravioleta (UV): 280–400 nm (~5 % da energia).
  • Visível: 400–700 nm (~45 % da energia).
  • Infravermelho Próximo (NIR): 700–1100 nm (~40 % da energia).
  • Infravermelho Médio: >1100 nm (~10 %, em grande parte não aproveitado por células de silício).
Cada faixa espectral apresenta características distintas de absorção, reflexão e transmissão em materiais semicondutores, sendo fundamental entender essas propriedades para otimizar o desempenho de um módulo fotovoltaico.

1.2 Princípio de Operação das Placas Fotovoltaicas

Um dispositivo fotovoltaico converte fótons em corrente elétrica com base no efeito fotoelétrico interno em junções p–n de semicondutores. Quando um fóton de energia ℎν ≥ Eg (lacuna de energia ou bandgap) incide sobre o material, ele pode promover um elétron da banda de valência para a banda de condução, gerando um par elétron-buraco. A separação e coleta dessas cargas é assegurada pelo campo elétrico formado na região de depleção da junção p–n. Fisicamente, apenas fótons com energia maior ou igual à bandgap do semicondutor serão absorvidos para gerar portadores úteis, enquanto fótons de energia inferior atravessam o material sem interagir de forma produtiva. Além da banda proibida, diversos processos de perda (recombinação, reflexão, absorção parasita) reduzem a quantidade de portadores coletados, impactando diretamente a eficiência global do dispositivo.

Fundamentos Matemáticos e Técnicos

2.1 Relação Energia–Comprimento de Onda

A relação fundamental entre a energia de um fóton e seu comprimento de onda é dada por \( E \;=\; h\,\nu \;=\; \frac{h\,c}{\lambda} \) onde

  • h é a constante de Planck (6,626×10⁻³⁴ J·s),
  • c é a velocidade da luz no vácuo (3,0×10⁸ m/s),
  • λ é o comprimento de onda do fóton (em metros),
  • ν é a frequência (Hz).
Portanto, um fóton de comprimento de onda λ = 1100 nm possui energia aproximada \( E = \frac{6{,}626\times10^{-34}\;\times\;3{,}0\times10^{8}}{1100\times10^{-9}} \approx 1{,}80\times10^{-19}\,\text{J} \approx 1{,}12\,\text{eV} \) o que coincide com a bandgap do silício cristalino (1,12 eV), explicando a extensão máxima de absorção útil desse material.

2.2 Eficiência Quântica e Absorção Espectral

A eficiência quântica externa (EQE – External Quantum Efficiency) mede a fração de fótons incidentes que geram portadores coletados como corrente elétrica. Matematicamente, \( \mathrm{EQE}(\lambda) \;=\; \frac{I_{\text{ph}}(\lambda)/q}{\Phi(\lambda)} \) onde

  • Iph(λ) é a corrente fotogerada (A) em λ,
  • q é a carga elementar (1,602×10⁻¹⁹ C),
  • Φ(λ) é o fluxo de fótons incidente (fotons·s⁻¹·m⁻²).
A absorção espectral de um material também depende de seu coeficiente de absorção α(λ), definido por \( I(x) = I_{0}\,e^{-\alpha(\lambda)\,x} \) onde I₀ é a irradiância incidente e x a profundidade de penetração. Quanto maior α(λ), menor a espessura necessária para absorver eficientemente a radiação em determinada faixa.

2.3 Limite de Shockley–Queisser

O limite teórico de eficiência de uma única junção sob radiação solar AM1.5G é conhecido como limite de Shockley–Queisser. Ele considera perdas por recombinação radiativa, térmica e ausência de absorção para ℎν < Eg. A eficiência máxima ηSQ é obtida pela otimização da bandgap e é expressa por \( \eta_{SQ} \;=\; \frac{P_{\text{el}}^{\text{máx}}}{P_{\text{in}}} \approx 33{,}7\% \quad\text{para } E_{g}\approx1{,}34\;\text{eV} \) Para silício (Eg=1,12 eV), esse limite cai para cerca de 29 %. A interpretação física mostra que a escolha da bandgap determina o trade-off entre absorção de fótons de alta energia (perdas térmicas) e aproveitamento de comprimentos de onda mais longos.

Implementação Prática

3.1 Materiais Semicondutores e Faixas de Absorção

Cada tecnologia fotovoltaica explora um ou mais semicondutores com bandgaps distintos, definindo as faixas de radiação absorvidas:

  • Silício Cristalino (c-Si): bandgap de 1,12 eV ⇒ absorve de ~350 nm até ~1100 nm. É o mais difundido graças à disponibilidade e estabilidade. A reflectância interna é reduzida por texturização e revestimentos antirreflexivos.
  • Arseniato de Gálio (GaAs): bandgap de 1,42 eV ⇒ absorção entre ~300 nm e ~870 nm. Apresenta alta eficiência (~29 % em laboratório) e excelente coeficiente de absorção, mas seu custo é elevado.
  • Telureto de Cádmio (CdTe): bandgap de 1,45 eV ⇒ similar ao GaAs, mas em filme fino. Absorve eficientemente no visível, com espessuras de ~2 µm.
  • CIGS (CuInGaSe): bandgap ajustável entre 1,0 e 1,7 eV, permite otimização espectral para diferentes regiões, absorvendo de ~300 nm até ~1200 nm dependendo da composição.

A escolha do material impacta diretamente a faixa espectral capturada, a eficiência em condições de baixa irradiância (radiação difusa) e a durabilidade sob estresse térmico e lumínico.

3.2 Estrutura de Células e Módulos

Em nível de célula, a arquitetura padrão inclui:

  • Camada frontal: vidro ou polímero antirreflexivo reduz perdas por reflexão na interface ar–semicondutor e protege contra abrasão.
  • Revestimento anti-reflexo (ARC): filme dielétrico multicamadas sintonizado para minimizar reflexão em 400–1000 nm.
  • Junction profunda (BSF – Back Surface Field): faixa de doping invertido na parte posterior que reflete elétrons, reduzindo recombinação na superfície traseira.
  • Contato metálico: malha frontal fina e lamínula traseira, balanceando resistência série e sombreamento.

A assemblagem em módulos adiciona encapsulamento (EVA), folha traseira (Tedlar), perfis de alumínio e caixa de junção, onde diodos de by-pass protegem células sombreadas. A configuração em séries e paralelos define tensão e corrente do conjunto.

3.3 Condicionamento de Energia e Integração ao Sistema

Após conversão DC, a energia segue para conversores estáticos (inversores) que sincronizam o gerador com a rede elétrica ou alimentam cargas isoladas. A topologia do MPPT (Maximum Power Point Tracker) assegura operação no ponto de máxima potência, adaptando-se a variações espectrais e térmicas que deslocam a curva I–V.

Considerações Gerais

4.1 Impacto da Temperatura e Dependência Angular

A eficiência de uma célula fotovoltaica diminui à medida que a temperatura aumenta, devido à redução na tensão de circuito aberto (Voc). O coeficiente térmico típico para silício é de –0,45 %/ºC. Além disso, a absorção e refletância variam com o ângulo de incidência da radiação. Quando o Sol incide obliquamente, a camada antirreflexo perde eficiência e a irradiância efetiva sobre o módulo reduz-se cerca de cos(θ).

4.2 Radiação Direta vs. Difusa e Fatores Atmosféricos

Em locais com elevado índice de nuvens ou poluição, a componente difusa da radiação aumenta, alterando a distribuição espectral (mais azul e menos infravermelho). Células com coeficiente espectral plano (bom aproveitamento em UV e NIR) tendem a performar melhor nessas condições. Características climáticas locais (temperatura, umidade, aerossóis) modificam o espectro incidente e devem ser consideradas no dimensionamento.

Conceitos Avançados

5.1 Células Multi-junção

Para superar o limite de Shockley–Queisser, células multi-junção empilham várias camadas semicondutoras com bandgaps otimizados para diferentes faixas espectrais. Por exemplo, em concentradores ópticos (CPV), uma célula tricamada GaInP/GaAs/Ge pode alcançar >40 % de eficiência sob concentração de 500×. Cada junção absorve parcela específica do espectro, reduzindo perdas por fótons de alta energia (cadeia superior) e por fótons de baixa energia (cadeia inferior).

5.2 Sistemas Fotovoltaico-Térmicos Híbridos (CPVT)

Em CPVT, a fração de radiação não convertida em elétrica (infravermelho médio) é capturada termicamente, elevando a eficiência global do sistema. O calor residual pode ser usado para aquecimento de água ou operações industriais. Hidráulica de resfriamento também mantém a célula em temperaturas mais amenas, melhorando seu desempenho elétrico.

Tendências e Perspectivas

6.1 Perovskitas e Materiais Orgânicos

As células de perovskita (formulação típica ABX₃) apresentam bandgaps ajustáveis entre 1,5 e 2,3 eV, alta coeficiente de absorção e processo de fabricação de baixo custo. Quando usadas em tandêm com silício, ampliam a absorção no UV-visível, alcançando eficiências de laboratório >29 %.

6.2 Tecnologias de Concentração e Seguidores Solares

Concentradores ópticos (Lentes de Fresnel, espelhos parabólicos) aumentam a irradiância sobre células de alta performance (>500 ×), reduzindo área ativa e custo de semicondutor. Sistemas de rastreio solar em dois eixos mantêm a irradiância normal incidida, maximizando a captação espectral.

6.3 Fotovoltaicos Transparentes e Bifaciais

Células bifaciais captam radiação direta e refletida (albedo) no verso, aumentando geração em superfícies claras (neve, areia). Versões transparentes, integradas em vidros de fachadas, permitem aproveitamento seletivo do espectro UV e NIR, filtrando parte da luz visível para iluminação interna.

6.4 Inteligência Artificial e Otimização de Sistemas

Algoritmos de machine learning aplicados em previsões meteorológicas e sistemas de controle de MPPT ajustam os parâmetros operacionais em tempo real, adaptando a topologia de strings e distribuindo potência entre microinversores para extrair o máximo de cada faixa espectral disponível nas diversas condições ambientais.

Considerações Finais

A análise das faixas de radiação absorvidas por placas fotovoltaicas revela a importância crítica da seleção de materiais e arquiteturas de célula para maximizar o aproveitamento do espectro solar. Enquanto tecnologias consolidadas como o silício cristalino continuam dominando o mercado, pesquisas em multi-junções, perovskitas e sistemas híbridos apontam para patamares de eficiência cada vez maiores, exigindo integração interdisciplinar entre física de semicondutores, óptica, termodinâmica e inteligência computacional.

Em síntese, compreender em profundidade as propriedades espectrais e matemáticas da fotossíntese artificial é essencial para inovar e otimizar sistemas fotovoltaicos, tanto do ponto de vista teórico quanto prático. O domínio dessas faixas espectrais e das estratégias de mitigação de perdas será determinante na próxima geração de tecnologias solares, alinhando eficiência, custo e sustentabilidade.